O que constitui um lar?
Amsterdam, Bruxelas, Belo Horizonte, Fortaleza, Jaguaribara, o mundo

Já morei sob sete tetos, mas nem todos chamei, de fato, de casa.
Acredito que pertencimento é a chave pra muita coisa nessa vida, inclusive para o encontro com a nossa essência e, consequentemente, com a nossa felicidade. Já visitei muitas cidades, mas poucas me deram a sensação de lar. Em cada visita, me pego pensando: o que, de verdade, constitui um lar? O que nos faz querer ficar? O que faz com que as pessoas que já estão aqui não queiram ir embora?
Quando pus os pés em Amsterdã, pensei: “eu moraria aqui fácil.” Lembro do sol tinindo nas folhas das árvores, das calçadas que se confundiam com as ruas, dos pedestres misturados a veículos sobre trilhos, bicicletas, ônibus… lembro das fachadas sóbrias, mas com detalhes que deixavam transparecer certa felicidade, assim como pareciam felizes os lares que eu via pelas janelas. Lembro, principalmente, do som das campainhas das bicicletas e das pessoas que, em vez de reagirem com irritação por se depararem com uma “pessoa-obstáculo”, esboçavam um sorriso e seguiam pedalando com leveza. Penso que a felicidade nos faz querer ficar. A leveza também.
Em Bruxelas, a sensação foi parecida. Mas lá, lembro também que a comida – principalmente o waffle – me abraçou. Os cafés, os brunchs, as geleias… os bruxelenses comem bem. E também parecem felizes. Comem bem e bebem bem. Sem a rigidez alemã no modo de fabricar, os belgas fazem cervejas com muitos ingredientes (inclusive, a tradição cervejeira belga é Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO). Umas boas, outras nem tanto, mas todas belgas. E é isso que importa. Penso que a comida bem feita nos faz querer ficar. O sabor da vida também.
Antes de ir a Belo Horizonte, por várias vezes me deparei com a pergunta: “qual cidade do Brasil você escolheria pra morar?” E eu sempre respondia que, talvez (bem talvez mesmo), o Rio de Janeiro. Em seguida, dizia: “mas tem uma cidade que eu tenho até medo de ir e não querer mais voltar.” Essa cidade era Belo Horizonte. Voltei de Minas no último dia 26 de junho e voltei com vontade de ficar. Guardadas as devidas proporções, encontrei lá tudo que também vi em Bruxelas e Amsterdã: a comida, as pessoas felizes, a tradição e o moderno, o queijo, o doce de leite, as ruas largas e caminháveis, a história entranhada até nos cobogós do Mercado…
No avião de volta a Fortaleza, fiquei incomodada. E eu nunca me incomodo em avião, pelo contrário. Mas, ali, mesmo sabendo que isso não é possível, quis sair correndo no céu, de verdade.
Durante o intercâmbio, morei em Lisboa. E sempre quero voltar a Lisboa. Mas essa sensação de casa não foi espontânea, não surgiu ao pisar lá. Cheguei em Lisboa sem saber onde ia dormir na noite seguinte. Cheguei sem abrigo, sem teto, sem lar, afinal. Aprendi a chamar Lisboa de casa. Assim como precisei aprender com Jaguaribara e com Fortaleza (e, nesse último caso, só depois de um bom tempo morando lá).
Acredito que procuramos, nos lugares onde pretendemos habitar – uma casa, uma cidade, um país, uma pessoa, um estado – algo que ainda não encontramos nos lugares que já ocupamos. Algo que perdemos ou que nos foi tirado. Eu já nasci perdendo meu lugar: nasci em Fortaleza porque não dava pra nascer em Jaguaribara. E fui morar em Russas porque não dava pra morar em Jaguaribara.
O que constitui um lar não é o concreto, o tijolo, o barro, a telha. Um lar é tudo aquilo que, na verdade, não podemos tocar: são as sensações, os sentimentos, a intuição. O sentimento que temos ao olhar o teto ao acordar. O cheiro do café que se espalha. A história que fez aquela parede estar descascada.
Vivo dividida. Vivo numa confusão de sentimentos. Quero estar aqui e quero estar lá. Vivo procurando um lugar, uma casa, um lar. Mas esse lugar não está nos posts promovidos das redes sociais, nem nas páginas de anúncios do jornal, muito menos nas placas de “aluga-se” ou “vende-se” pregadas nas ruas.
Sou uma sem lugar porque nasci perdendo o meu lugar. Violentaram meu lugar antes que eu chegasse nele. As ruínas desse lar me acolhem, mas não podem ser acolhidas por mim. Vivo procurando por um lugar que nem existe mais.
E, por onde ando, antes mesmo de encontrar o que me repele, meus olhos procuram o que me aproxima desse lugar. Ainda bem que encontram.
Pedrinhas do mês
as pedrinhas que mais deram na minha telha durante o mês de junho
Pedrinha que li:
Sinceramente? Não deu tempo ler quase nada em junho. Li um livro e ele valia a pena estar aqui, mas ainda não pode. Quem sabe nas pedrinhas de julho…
Pedrinha que ouvi:
Álbum “Bem-vindo ao meu mundo - Forró e vaquejada”, de Wesley Safadão
Pedrinha que comi:
Bala de doce de leite da Doce Conquista, comprada em Tiradentes, Minas Gerais.
Pedrinha que vivi:
O dia 1º de junho em Barbalha, com o cortejo de grupos folclóricos seguido do carregamento do Pau da Bandeira.
Pedrinha que vivi extra:
Comemorar meu aniversário ao lado de pessoas que amo na discotecagem Cotovelo Brega, que acontece todas as quartas no Boteco Cultural da Ângela (Rua Carlos Gomes, 83 - José Bonifácio - Fortaleza).
Na semana passada não apareci (tentei descansar em Minas – apenas tentei…), nesta, atrasei o post, mas cá estou! Voltamos a dar na telha!