Arrumei meu banheiro ontem. Me espantei ao contar dez frascos de perfume na prateleira. “Nunca tive tantos. Pra quê tudo isso? Eu sou uma só”, pensei. Quase todos ganhei de presente e, pensando por esse lado, resolvi deixar todos lá mesmo.
Não gosto de acúmulo. Antes de ter a ideia de montar uma biblioteca em casa, o destino lógico dos livros que eu não tinha apego emocional (ou pelo menos achava que não tinha), era a doação ou a venda por um valor ínfimo.
Desde criança me acostumei a tirar roupas do armário e doar, faço isso pelo menos duas vezes ao ano até hoje. E até quando meu pai me ameaçava para comer toda a comida que estava no prato por causa das crianças que tinham fome no mundo eu pensava “exatamente por isso, vou acumular comida aqui, mas podia estar na barriga de outra criança” – causado pelo acúmulo, o devaneio infantil ia longe.
A lógica da minha avó parecia fazer mais sentido: “coloque no seu prato menos do que você acha que vai comer. Se não quiser mais, não se force. Não vai estruir, vai para a lavagem dos porcos.” Estruir, por aqui, é o mesmo que desperdiçar. Eu gostava de pensar que as coisas não iam pro lixo, que não eram desperdiçadas, mas sim partilhadas, fosse com bichos, gente ou de formas outras.
Os excessos sempre me incomodaram. O acúmulo me aperta, me dá agonia. Perfume demais, roupa demais, louça demais, informação demais. Sou mais desapegada que consumista, embora eu seja sim consumista.
Penso sempre que é coisa demais ocupando um lugar que, se estivesse vazio ou com algo um pouco mais necessário, me traria muito mais paz. Principalmente quando se trata de uma rotina vivida num apartamento de 76 metros quadrados.
Gosto do que basta. Gosto de saber que tenho o que preciso. Desapego fácil, muito fácil mesmo. Não porque sou desapegada no sentido de um manual de autoajuda, mas porque entendo que tem coisa que pesa mais do que ajuda.
Tem roupa que prende, tem objeto que ocupa, tem gente que consome.
Muita coisa na minha vida se define no sentido de coletivizar – é isso que me guia. A generosidade é um mantra. Dividir, deixar sobrar pros outros também, de não achar que só porque algo veio até mim ele é meu por direito eterno.
Insisto em ver o mundo pela lógica da partilha. Abro a casa, recebo gente, ponho a mesa farta, mas às vezes esqueço que tem quem que sente à mesa pra ver o que pode levar escondido no bolso.
Nasci em tempo de colheita, como disse no texto da semana passada. Também tenho pavor de acumular luz só pra minha terra. A minha lógica é a da agricultura familiar, não a do agronegócio. Me entristeço vendo gente que quer ter tudo, como se o tudo coubesse numa vida só.
Tem gente que chega na hora do fruto, mas não pisou na terra. Que estende a mão, mas nunca semeou nada.
E aí, não é sobre querer o que é seu, é sobre não ter sabido fazer brotar o que era próprio. Mas quem é de roçado não se desespera por um ou dois frutos levados do pé.
Eu vejo o outro com olhos de partilha, não com olhar de subtração. Não guardo em excesso. Não empilho. Colho e partilho. Porque sei que guardar demais estraga.
Mesmo com aqueles que nunca sentei à mesa, penso “posso dividir isso aqui com você”, e não “quero tirar isso de você”. Talvez por isso demorei tanto pra perceber que, sim, a inveja existe – por mais que eu odeie esse termo, por mais que eu às vezes ache que só fala de inveja gente egocêntrica e superestimada.
E continua o meu café coletivo: estendo a toalha, puxo a cadeira, sirvo o café e sigo sem perceber quem senta pra esvaziar a mesa, não pra partilhar o pão.
Pra mim, tudo bem. Ainda prefiro ser a que reparte do que a que retém. Ainda prefiro ser quem desapega do que quem acumula (ou pretende acumular). Ainda prefiro o risco da entrega ao medo do roubo.
O que é meu de verdade não se perde quando vai ou quando alguém acha que me tomou. Se espalha. Nunca para de brotar. Volta de outro jeito.
Talvez as pessoas estejam apenas famintas de si… e isso, infelizmente, nenhuma colheita minha vai resolver.
Não se trata de ego, se trata de raiz. O mundo seria um lugar bem melhor se fosse ocupado somente pelas pessoas da partilha, e menos por aquelas das commodities.
Resultado do sorteio
Lembram do nosso combinado do sorteio do meu livro Memórias Interrompidas para comemorar os 100 inscritos da newsletter? Pois bem, atrasei o texto porque não consegui me organizar por aqui para o sorteio. Mas deu certo!
As sortudas da vez são: Natalina (por ser a 100ª pessoa inscrita na news – ela também se inscreveu no formulário, mas descartei a inscrição por causa disso), Iasmim Melquíades (inscrita no formulário e primeira sorteada) e Rayanne Diógenes (inscrita no formulário e segunda sorteada).
Muito obrigada pela participação, pessoal. Vou entrar em contato com todas para combinar as respectivas entregas. Prometo trazer outras pedrinhas sorteadas pra cá!